Por que os pais em séries Shonen são tão ruins? A resposta é surpreendente

O mundo do anime Shonen é intrigante e complexo, carregado de protagonistas audazes e aventuras empolgantes. Contudo, algo que me chama a atenção é a recorrente representação negativa da paternidade nesse gênero. De “Hunter x Hunter” a “My Hero Academia“, observamos um padrão onde os pais, quando presentes, são frequentemente retratados de maneira problemática. Por exemplo, em “Jujutsu Kaisen“, Toji Fushiguro emerge como uma figura paternal ausente e despreocupada, ilustrando um aspecto preocupante da narrativa Shonen.

Essa tendência não é apenas uma escolha estilística, mas também reflete uma crítica social mais profunda. Vemos pais que são definidos mais por suas ocupações ou hobbies do que por suas habilidades parentais, faltando-lhes empatia e mantendo relações conturbadas com seus filhos. Este tropo, especialmente prevalente em animes recentes, parece evoluir com o tempo, tornando-se mais complexo e multifacetado.

Ging Freecss, de Hunter x Hunter, é um exemplo clássico. Seu abandono de Gon impulsiona a trama, mas também introduz um debate sobre responsabilidade parental e autoconhecimento. Ging, consciente de suas limitações como pai, opta por deixar Gon, mas paradoxalmente mantém uma presença indireta em sua vida, um aspecto que acredito ser cruelmente irônico e perturbador.

Toji Fushiguro, de Jujutsu Kaisen, apresenta um caso mais complexo. Sua trajetória, marcada pela rejeição e desilusão, culmina em decisões questionáveis em relação ao seu filho, Megumi. A relação de Toji com Megumi é repleta de ambiguidades e remorsos, refletindo um padrão de pais Shonen que, apesar de suas falhas, ainda desempenham um papel crucial na vida de seus filhos.

Enji Todoroki, de My Hero Academia, talvez seja o exemplo mais complexo e evolutivo entre os pais Shonen. Seu caminho de reconhecimento e tentativa de reparação de erros passados mostra um lado mais humano e multifacetado da paternidade no anime Shonen. Sua jornada é um reflexo do constante conflito entre heroísmo e humanidade, um tema central no anime.

Afinal, por que os pais shonen são tão ruins?

É fascinante observar como o tropo do “pai ruim” é tão prevalente nos animes Shonen. Esse padrão repetitivo não é mero acaso, mas sim um reflexo da cultura japonesa que molda essas narrativas. Considerando a vasta quantidade de exemplos em animes, fica evidente que muitos criadores de mangás devem ter vivenciado, direta ou indiretamente, situações familiares semelhantes em suas vidas. Essa constatação não só enriquece a compreensão dessas obras, mas também nos convida a uma reflexão mais profunda sobre a paternidade e a cultura de trabalho no Japão.

Historicamente, a paternidade no Japão sofreu uma metamorfose significativa, especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Um estudo da Universidade de Hokkaido ilumina essa transformação, evidenciando como a mudança nas práticas de emprego impactou profundamente a dinâmica familiar. No cenário pós-guerra, as empresas japonesas endureceram suas políticas, intensificando prazos e tornando as horas extras uma norma. Essa realidade, entrelaçada com os papéis de gênero tradicionais, relegou os homens a uma posição onde o trabalho eclipsava quase totalmente a vida familiar. O resultado? Pais transformados em figuras distantes, enigmáticas, criando um abismo entre eles e seus filhos.

Este cenário de paternidade ausente, onde os pais se tornam sombras em suas próprias casas, alimenta um ressentimento palpável, especialmente nos filhos. As crianças, consequentemente, gravitam em torno das mães, que assumem o papel de pilares emocionais e práticos na família. É intrigante notar que, quando muitos homens se aposentam no Japão, o aumento súbito da proximidade com suas esposas frequentemente leva ao divórcio — um testemunho da estranheza e distanciamento que anos de trabalho excessivo podem causar.

Nesse contexto, as mães nos animes Shonen emergem como figuras centrais, oferecendo um contraste notável com os pais ausentes ou problemáticos. Essa dicotomia não só reflete as realidades familiares japonesas, mas também ressoa fortemente com o público jovem alvo do mangá Shonen, que provavelmente encontra mais familiaridade nessa representação do que em representações de pais presentes e ativos.

O mais intrigante nessa dinâmica é ponderar como esse tropo evoluirá ao longo do tempo. À medida que a sociedade japonesa continua a mudar, será interessante observar se as representações de pais nos animes Shonen acompanharão essas transformações, refletindo novos modelos de paternidade e relacionamentos familiares.

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